Centenário da Semana de Arte Moderna

Há cem anos, acontecia a Semana de Arte Moderna e o Brasil discute agora sua relevância, seus desdobramentos e seu legado.

Relembre como tudo começou

Jovens artistas com uma pulsão de criar e modernizar todas as formas de arte; especialistas contam como foi e quem participou desse movimento que marcou para sempre a cultura brasileira

Em 30 de janeiro de 1922, o jornal “A Gazeta” trazia uma “nota de arte”. Um grupo de distintos cavalheiros, dizia o texto, “vai tentar a organização de uma semana futurista, que será, sem dúvida, o maior escândalo artístico de que se tem notícia em São Paulo”. O tom era de alerta, de antecipação de uma batalha. “Nós, que pensamos que a grande arte deve ser compreendida por todos, esperamos, cheios de curiosidades, a realização desse certame e prometemos, desde já, a nossa crítica severa contra a iniciativa.”

A “semana futurista” aconteceria pouco mais de dez dias depois, entre 13 e 17 de fevereiro. Batizada de Semana de Arte Moderna, levou ao Theatro Municipal de São Paulo artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti. E tornou-se símbolo da proposta de modernização da arte brasileira, um dos mais influentes movimentos artísticos do país.

“Os artistas participantes da Semana tinham a pulsão de criar, de modernizar. As ideias que defendiam, de certa forma, eram mais avançadas do que a própria arte ali apresentada. Mario de Andrade, Oswald de Andrade ou Villa-Lobos vão se definir como artistas um pouco mais tarde. Mas a Semana foi a explosão pública de um desejo de transformação que já estava no ar na arte brasileira”, diz a jornalista e pesquisadora Camila Fresca, biógrafa de Villa-Lobos e uma das idealizadoras do projeto Toda Semana, do Sesc, que reúne o material apresentado durante o evento em 1922.

Uma proposta de ruptura A realização das exposições, leituras e concertos em 1922 foi o ponto de chegada de um processo que tem não apenas um, mas alguns, possíveis marcos iniciais. Em 1910, a artista alemã Emma Voss realizou em São Paulo uma exposição que trazia ao Brasil elementos da vanguarda alemã.

Três anos depois, o artista lituano Lasar Segall, vindo da Holanda, também mostrou algumas de suas obras, inspiradas pelo que de novo se fazia na Europa. E, em 1914, seria a vez da brasileira Anita Malfatti realizar sua primeira mostra na galeria do Mappin, no centro de São Paulo.

“Anita tinha então 24 anos e as obras mostradas nessa primeira exposição eram fortemente influenciadas pela sua passagem pouco antes pela Alemanha. Ela foi a primeira artista brasileira a manifestar uma arte alinhada à modernidade. Um ano depois, nos Estados Unidos, ela fica fascinada com a obra de Marcel Duchamp, vai conhecer o futurismo, o cubismo. E, em 1917, fará outra mostra no Brasil”, lembra Luiz Armando Bagolin, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e curador da mostra Era uma Vez o Modernismo, em cartaz no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, com quatrocentas obras e documentos relacionados à Semana.

Expressionismo, futurismo, cubismo. Esses e outros movimentos agitavam a cena artística na Europa e nos Estados Unidos. A ideia era uma ruptura com a arte considerada passadista. No Brasil, o alvo principal era o século 19, as “poesias perfeitas” do parnasianismo, a arte associada ao belo, a ópera italiana, os poemas sinfônicos, espécie de narrativas feitas por meio da música.
O quão intimamente os artistas que realizariam a Semana de Arte Moderna conheciam o processo de renovação que avançava no exterior é difícil saber. Mas, aos poucos, a ideia de uma arte nova começaria a ganhar força, reunindo uma nova geração de intelectuais, poetas e músicos.